Todos nós experimentámos,
nalgum momento das nossas vidas, a possibilidade de ter
podido moldar o barro. Retemos na nossa memória, as
primeiras experiências na realização de técnicas tão
primitivas como sejam a da bola ou rolinho.
Tal como os nossos antepassados,
que há mais de 10 mil anos, realizaram peças para o uso
utilitário, estas experiências parecem ter o seu lugar
nos nossos genes...
Devido ao sentido estético, as
obras ganharam beleza e rigor na decoração. Não se
pode falar, nestas primeiras criações num objecto de
arte. Ou seja, com toda a força espiritual e humana que
um objecto pode conter (sendo que esta perspectiva esteja
nos olhos de quem a veja), podemos, sim, falar num
sentido religioso ou de adoração que tomará forte
acção em rituais e cerimónias religiosas
posteriormente.
Contudo é inevitável a
recordação das mãos manchadas de barro, o cheiro
"sue géneris", a obra por vezes toscamente
concebida, o gesto, a imaginação. É qualquer coisa que
nos acompanhou na nossa individualidade colectiva.
A descoberta das técnicas de
cerâmica, das formas de realizar com as mãos o céu e o
inferno, a vida e a morte, uma flor ou uma figura humana,
está agora tão presente como no passado milenar.
A cerâmica é uma arte viva de
técnicas difíceis, da experimentação e do risco da
aventura. É uma paixão cheia de mistérios e de
constantes descobertas. Um labirinto que conduz ao
inevitável fogo.
A arte da cerâmica tem em meu
entender dois estados indis-sociáveis(?). O pensamento
enquanto se modela, que é o fruto mais directo da nossa
acção, a secagem e a cozedura; são o resultado da
passagem para a vida, através do fogo. A decoração
funciona no corpo cerâmico como uma rica veste, por
vezes florida, paisagística, humana ou de motivos
alegóricos.
Há cerca de 10 anos, descobri a
cerâmica e por ela senti uma inevitável paixão, que
posso garantir que mudou para sempre a minha visão de
ver e sentir o mundo.
Sentir cada gesto, cada forma,
transparência, textura, cor, aproximou-me mais da
alquimia dos homens.
O toque cintilante de uma peça
de cerâmica desloca-se no vácuo como uma voz...
Os deuses chamam a nossa
atenção para as formas de uma anfora, jarra ou taça...
como as de uma mulher... Manuel Seita
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